Não perceber porque é que esperas a solidão e a força, continuando a levantar o mundo como quando levantas os lençóis da cama de manhã. Há muitas esperas sobre as quais não me perdoo, especialmente aquelas em que gastei tanto tempo que daria para criar um mundo novo e ao sétimo dia descansar, como Deus. Não me arrependo de ter esperado, mas fico triste ao saber que esperei sozinha sobre alguma coisa que era melhor partilhada em duas partes.
Em janeiro de 2023 foi a estreia do primeiro solo do projeto Dependência Aberta. Este projeto resulta de um convite feito por Mélanie Ferreira a um criador para lhe encenar um solo.
O projeto Dependência Aberta consiste em escolher criadores com os quais Mélanie Ferreira tem vontade de passar tempo de pesquisa e criação, num formato de maior proximidade. Estes convites de colaboração aparecem porque Mélanie Ferreira acredita que o ato criativo tem de ser verdadeiro, inteligente, intenso e promissor e não sendo capaz de o assumir sozinha, decide fazer o seu corpo sobreviver pela cabeça de outrem. Há assim o assumir de uma dependência e uma necessidade de um coaching para que a existência deste corpo performativo possa ter ainda mais significado e atinga um estado mais puro; sem que para isto, a dependência tenha de ser fechada no outro. É antes uma dependência aberta, onde ambos os corpos se neutralizam, confluem e renovam na esperança de atingirem o sublime. O projeto Dependência Aberta traz a possibilidade de criar um estar íntimo de trabalho e pesquisa, o que no percurso de Mélanie Ferreira não costuma acontecer, porque trabalha sempre em contexto de equipas com vários intérpretes. Será ter um foco primário em si para continuar a renovar-se enquanto intérprete, performer, criadora, investigadora do seu próprio corpo como potência.
Desta feita, estar num processo de criação de um solo é assumir que “continuo a perder-me no meu corpo, para que o reconfigurar seja necessário e preciso, para que o voltar seja a novidade e o constante presente.”. É na sequência deste projeto Dependência Aberta que surge Durarei por Paz e Nunca por Mal, numa continuidade de espaço de criação intimista, desta vez com um novo criador, Daniel Matos, com quem a artista já colaborou em várias peças e com quem partilha um percurso de vontades artísticas similares.