Quase um ano depois de termos iniciado o projecto de investigação histórica e artística Brincar que tem procurado trabalhar sobre (e a partir de) experiências artísticas e sociais para a infância ocorridas durante o período que circundou o 25 de abril de 1974, continuamos a pesquisa.
Aliando investigação de arquivo e trabalho artístico, a sua equipa nuclear é composta por artistas plásticos, historiadores, antropólogos, designers, professores, livreiros, pais, filhos, vizinhos... convidados a desenvolver com a equipa propostas específicas a partir daquilo a que temos chamado “unidades mínimas do brincar” como o gesto, o som, a rima, o salto, a cambalhota, a linha, a letra, a palma, etc. Alguns exemplos das experiências a que nos referimos e cujas histórias temos investigado são, a Sul: a Oficina da Criança de Montemor-o-Novo (ainda em funcionamento), a Unidade Infância do Centro Cultural de Évora ou o trabalho de O Bando; em Lisboa: A Comuna – Centro Cultural Casa da Criança, o Centro de Arte Infantil do ACARTE/ FCG, ou a Oficina da Criança de Benfica; e, a Norte: o trabalho de Elvira Leite ou, entre outros, Isabel Alves Costa para referirmos apenas alguns. Mais do que uma fusão das artes, ou de propostas de entretenimento complexas e elaboradas para um público com determinada faixa etária, procura-se aqui resgatar ideias simples de brincadeira e fugir de uma profissionalização do brincar que escusa os demais de o fazer e separa quem tem crianças de quem não tem. Tem igualmente a ver com questionar o lugar que hoje se deixa para as crianças e seus cuidadores, fechadas em escolas e dispersas por actividades especializadas por faixas etárias –experiência muito distinta da que encontramos nos arquivos, quando empreendemos pesquisa sobre o dia a dia dos artistas no pós-revolução de 1974. E, de facto, o desaparecimento das crianças do espaço público, a separação cada vez mais hiper especializada em faixas etárias e competências especializadas, e a diminuição da prática de brincadeira livre são muito notórios, o que faz pensar na própria forma de organização da cidade e da vida de hoje no seu conjunto.Historial do projectoNos anos a seguir ao 25 de abril de 1974, foi fundada a Casa da Criança, no edifício de teatro a Comuna, em Lisboa, onde as crianças desfavorecidas dos circundantes bairros da lata passavam os seus tempos livres. Uns anos mais tarde, foi fundada em Montemor-o-Novo a Oficina da Criança, projeto que ainda hoje continua e que haveria de ser decisivo para a cultura local. Em 1984, abre portas o Centro de Arte Infantil do ACARTE na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), também conhecido por "centrinho", lugar que se cruzaria com todos os outros, pelos apoios e formações que prestará uma rede de lugares onde a infância é vivida como infância - sem a infantilizar - e permitindo aos adultos o acesso à brincadeira. No "centrinho" culminam décadas de experimentação pedagógica de Madalena Perdigão e da sua equipa. Desta rede farão parte uma série de grupos, escolas e oficinas, um pouco por todo o país.Tenho-me cruzado repetidas vezes com materiais de arquivo destas experiências desde a minha tese de Doutoramento sobre o Serviço ACARTE da FCG (de que fazia parte o "centrinho") até, recentemente, aos arquivos das companhias de Teatro Independente de 1970-19780 no âmbito do projecto FCT ARTHE/Arquivar o Teatro, de que sou Co-Investigadora Responsável. Tenho igualmente feito uma série de entrevistas de História Oral (tanto para a tese como no ARTHE) em que estas experiências me são relatadas.
Este projecto, que se chama Brincar em homenagem à exposição de Salette Tavares na Galeria Quadrum em 1979, parte da pesquisa de arquivo, tanto no Teatro A Comuna/Casa da Criança e na Oficina da Criança, em Montemor-o-Novo, num primeiro momento, como dos arquivos familiares de Salette Tavares ou do Teatro O Bando, num momento posterior para, reunindo um conjunto de artistas, os reinventar com eles.